top of page
Foto do escritorGilsom Castro Maia

O que é mais importante: a participação ou ganhar um jogo?



A prática esportiva é amplamente reconhecida como uma ferramenta valiosa no desenvolvimento emocional e cognitivo de crianças. Ao engajarem-se em esportes, as crianças têm a oportunidade de aprender habilidades fundamentais que vão além das capacidades físicas. No entanto, uma questão central que surge é o que é mais benéfico para o desenvolvimento das crianças: a participação em jogos e competições ou o foco em ganhar.


Participação vs. Ganhar:

Participação nos Jogos e Competições

Participar em jogos e competições oferece uma série de benefícios psicológicos e sociais. Primeiramente, a participação regular em esportes ajuda as crianças a desenvolverem a resiliência. Elas aprendem a lidar com vitórias e derrotas, a superar desafios e a persistir frente a dificuldades. Isso contribui para a formação de uma personalidade mais forte e adaptável.

Além disso, a participação promove a cooperação e o trabalho em equipe. As crianças aprendem a se comunicar, a colaborar com os colegas e a entender a importância de cada membro da equipe, o que é crucial para o desenvolvimento de habilidades sociais e relacionais. Através da prática esportiva, elas aprendem sobre empatia, respeito e a importância de seguir regras, o que contribui para uma socialização saudável.


Foco em Ganhar

Por outro lado, o foco exclusivo em ganhar pode ter impactos mistos. Enquanto a competição pode incentivar a busca pela excelência e o desenvolvimento de uma mentalidade de crescimento, ela também pode gerar pressões excessivas. Crianças que são excessivamente incentivadas a ganhar podem desenvolver ansiedade, medo de falhar e, em casos extremos, problemas de autoestima.

O foco exagerado na vitória pode desviar a atenção dos benefícios mais amplos do esporte. Pode levar à adoção de comportamentos antidesportivos, como trapaça ou atitudes agressivas, em detrimento dos valores de fair play e respeito pelos adversários. Além disso, a pressão para ganhar pode diminuir o prazer e a diversão da prática esportiva, resultando em desmotivação e possível abandono da atividade física a longo prazo.


Desenvolvimento Emocional e Cognitivo

Do ponto de vista do desenvolvimento emocional e cognitivo, a participação em jogos e competições deve ser balanceada com o desejo de ganhar. Participar proporciona experiências ricas que alimentam o crescimento emocional, como o desenvolvimento da autoeficácia, gestão do estresse e o reforço da autoestima através da conquista de metas pessoais e coletivas.

Cognitivamente, a prática esportiva estimula funções executivas como planejamento, tomada de decisão e resolução de problemas. Crianças aprendem a pensar estrategicamente, a antecipar ações e a se adaptar rapidamente a novas situações – habilidades valiosas tanto dentro quanto fora do ambiente esportivo.


Para um desenvolvimento emocional e cognitivo saudável, é fundamental que o foco não seja exclusivamente no ganhar, mas sim em uma participação engajada e significativa nos esportes. O esporte deve ser visto como um meio para ensinar lições de vida, fomentar habilidades sociais e promover a saúde mental. Equilibrar a busca pela vitória com o valor intrínseco da participação é crucial para formar indivíduos resilientes, socialmente competentes e cognitivamente preparados para os desafios da vida.


A natureza da competitividade e cooperação nas crianças é um tema amplamente estudado na psicologia do desenvolvimento, com diferentes teóricos oferecendo perspectivas valiosas sobre essa questão.


Competitividade e Cooperação: Natureza ou Criação?


Jean Piaget

Jean Piaget, um dos principais teóricos do desenvolvimento cognitivo, argumentou que as crianças passam por estágios de desenvolvimento que influenciam sua interação social. Nos estágios iniciais, Piaget observou que as crianças tendem a ser mais egocêntricas e têm dificuldade em entender a perspectiva dos outros, o que pode ser interpretado como uma tendência natural para a competição.

À medida que as crianças avançam para estágios mais avançados, como o estágio das operações concretas (aproximadamente entre 7 e 11 anos), elas começam a desenvolver a capacidade de cooperação. Elas aprendem a seguir regras e a trabalhar em grupo, percebendo o valor da colaboração e da ajuda mútua. Portanto, segundo Piaget, a tendência inicial para a competitividade pode ser um aspecto do desenvolvimento cognitivo que evolui para uma maior cooperação com a maturidade.


Lev Vygotsky

Lev Vygotsky, por outro lado, enfatizou o papel da cultura e da interação social no desenvolvimento das crianças. Segundo Vygotsky, as crianças aprendem comportamentos competitivos ou cooperativos através da socialização e da interação com adultos e pares. A teoria sociocultural de Vygotsky sugere que as crianças são moldadas pelo ambiente em que crescem. Se uma criança é criada em um ambiente que valoriza a competição, ela provavelmente desenvolverá uma atitude competitiva. Se, ao contrário, o ambiente valoriza a cooperação, a criança tenderá a ser mais cooperativa.


Albert Bandura

Albert Bandura, conhecido por sua teoria da aprendizagem social, também contribui para essa discussão. Bandura destacou que as crianças aprendem comportamentos observando e imitando modelos. Portanto, se elas frequentemente veem adultos ou outras crianças sendo recompensados por comportamentos competitivos, elas estarão mais inclinadas a adotar essas atitudes. Por outro lado, se os modelos em seu ambiente demonstram comportamentos cooperativos e são valorizados por isso, a criança tenderá a imitar esses comportamentos.


A Criança é Naturalmente Competitiva ou Cooperativa?

Baseado nas teorias mencionadas, pode-se argumentar que as crianças possuem tanto a capacidade para a competitividade quanto para a cooperação, dependendo das influências ambientais e do estágio de desenvolvimento. A visão de que as crianças são naturalmente competitivas ou cooperativas não é dicotômica, mas sim complementar.


Estudos Contemporâneos

Pesquisas contemporâneas em psicologia do desenvolvimento sugerem que crianças muito pequenas mostram uma predisposição para comportamentos cooperativos. Estudos de Tomasello e colegas indicam que crianças desde tenra idade (por volta dos 2 anos) demonstram vontade de ajudar os outros e colaborar em tarefas compartilhadas, sugerindo uma inclinação inata para a cooperação.

Por outro lado, a competitividade pode emergir mais fortemente em contextos onde os recursos são limitados ou onde a competição é explicitamente incentivada. Em ambientes onde a competição é reforçada, como em muitas estruturas escolares ou esportivas, as crianças podem internalizar esses valores e demonstrar comportamentos mais competitivos.


A natureza das crianças em relação à competitividade e cooperação é influenciada por uma combinação de fatores inatos e aprendidos. As teorias de Piaget, Vygotsky e Bandura destacam que, embora existam tendências naturais, o ambiente e as experiências de socialização desempenham um papel crucial em moldar esses comportamentos. Portanto, para promover um desenvolvimento equilibrado, é essencial criar ambientes que incentivem tanto a cooperação quanto a competição saudável, permitindo que as crianças aprendam a valorizar o processo de participação e ajuda, bem como o esforço para alcançar objetivos pessoais e coletivos.



Diferença entre Competição e Cooperação: As Duas Podem Ser Vistas Como Similares?

A diferença entre competição e cooperação é um tema relevante no estudo do comportamento humano, especialmente no contexto do desenvolvimento infantil. Embora possam parecer opostas, competição e cooperação podem ser vistas como complementares e, em muitos casos, interligadas de maneiras que promovem o crescimento pessoal e social.


Competição

Competição envolve a busca pela vitória e a superação de adversários. É um processo onde indivíduos ou grupos se esforçam para alcançar um objetivo que apenas um pode atingir. A competição é frequentemente associada com a motivação para melhorar habilidades, aumentar o desempenho e buscar a excelência. No ambiente infantil, a competição pode ensinar resiliência, como lidar com vitórias e derrotas, e a importância do esforço contínuo.

Benefícios da Competição:

  • Desenvolvimento de habilidades específicas.

  • Incentivo à autoaperfeiçoamento.

  • Capacidade de lidar com o estresse e pressão.

  • Experiência com vitórias e derrotas.


Cooperação

Cooperação, por outro lado, envolve trabalhar junto com os outros para alcançar um objetivo comum. É um processo colaborativo onde o sucesso de um depende do sucesso de todos. A cooperação promove habilidades sociais importantes como a comunicação, empatia, e a capacidade de trabalhar em equipe. Para as crianças, a cooperação ensina a importância de cada membro do grupo e como as contribuições individuais podem levar a um resultado coletivo positivo.

Benefícios da Cooperação:

  • Desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais.

  • Promoção da empatia e compreensão.

  • Capacidade de trabalhar em equipe e valorizar o esforço coletivo.

  • Experiência em resolução de conflitos e tomada de decisões em grupo.


Competição e Cooperação como Processos Complementares

Embora competição e cooperação pareçam ser polos opostos, elas podem coexistir e se complementar de maneiras que beneficiam o desenvolvimento infantil. Por exemplo, em um esporte de equipe, os jogadores competem contra outra equipe, mas dentro do próprio time, eles precisam cooperar. Esse ambiente ensina às crianças a importância de ambas as competências: a determinação para vencer e a habilidade de trabalhar em grupo.

Intersecção entre Competição e Cooperação:

  • Esportes de Equipe: Jogadores competem juntos contra adversários, mas dentro do time, cooperam para alcançar o objetivo comum de vencer.

  • Projetos Escolares: Estudantes podem competir para apresentar o melhor projeto, mas dentro de suas equipes, precisam colaborar para fazer o melhor trabalho possível.

  • Ambientes de Trabalho: Funcionários podem competir por promoções ou reconhecimento, mas também cooperam em projetos e tarefas diárias para alcançar os objetivos da empresa.


Competição e cooperação, embora diferentes, não são mutuamente exclusivas. Na verdade, elas podem ser vistas como duas faces da mesma moeda, cada uma trazendo habilidades e lições valiosas que contribuem para o desenvolvimento holístico das crianças. Promover um ambiente onde ambas são valorizadas e praticadas ajuda as crianças a aprenderem a importância de lutar por seus objetivos pessoais enquanto reconhecem e respeitam o valor do esforço coletivo. Assim, elas estarão melhor preparadas para enfrentar os desafios da vida de maneira equilibrada e saudável.


Referência Bibliográficas

Smith, R. E., & Smoll, F. L. (1997). “Coaching the Coaches: Youth Sports as a Scientific and Applied Behavioral Setting”. Current Directions in Psychological Science, 6(1), 16-20.


Weiss, M. R. (1991). “Psychological Skill Development in Children and Adolescents”. The Sport Psychologist, 5(3), 223-234.


Fraser-Thomas, J. L., Côté, J., & Deakin, J. (2005). “Youth Sports Programs: An Avenue to Foster Positive Youth Development”. Physical Education and Sport Pedagogy, 10(1), 19-40.


Sherif, M., Harvey, O. J., White, B. J., Hood, W. R., & Sherif, C. W. (1961). “Intergroup Conflict and Cooperation: The Robbers Cave Experiment”. University of Oklahoma Book Exchange.


Johnson, D. W., & Johnson, R. T. (1989). “Cooperation and Competition: Theory and Research”. Interaction Book Company.


Tomasello, M. (2009). “Why We Cooperate”. MIT Press.


Holt, N. L., & Neely, K. C. (2011). “Positive Youth Development Through Sport: A Review”. Revista Iberoamericana de Psicología del Ejercicio y el Deporte, 6(2), 299-316.


Gould, D., & Carson, S. (2008). “Life Skills Development Through Sport: Current Status and Future Directions”. International Review of Sport and Exercise Psychology, 1(1), 58-78.


Gilsom Maia

Psicólogo do Esporte

Neuropsicólogo

Psicólogo Clínico

4 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page