O conceito de paixão é utilizado com uma multiplicidade de significados implícitos.
A paixão como um elemento do amor é o mais difundido socialmente, entretanto, encontram-se interpretações para paixão por atividades (trabalho, esporte, exercício), pessoas (parceiros, amigos) e mesmo objetos (carros, computadores, etc.).
Assim, a paixão pode apresentar características motivacionais, persistentes e intencionais, diferentes das emoções românticas, que apresentam curta duração e são passivas.
A paixão pode ser definida como uma motivação para a conquista de um objetivo de alta prioridade e que possa gerar resultados importantes.
Nesse mesmo sentido, o construto é interpretado como a predisposição de um indivíduo para realizar atividades que valoriza, investe tempo e energia e pelas quais tem apreço.
A paixão deve ser experimentada em relação a uma atividade específica, pois deve existir uma relação especial entre um indivíduo e determinado objeto (tarefa, assunto, conceito, pessoa ou orga nização distinta). Além disso, ter paixão implica envolver- se profundamente e de maneira duradora com a atividade, a ponto de esta ser altamente valorizada e significativa para a pessoa.
A paixão também deve favorecer altos níveis de energia e esforço durante o envolvimento com a atividade e, às vezes, depois.
Esta surge por meio de processos regulatórios que podem integrar a atividade à própria identidade do indivíduo.
Portanto, a paixão faz parte de quem o indivíduo é, por exemplo, um sujeito apaixonado por natação poderá descrever-se como nadador, e não apenas como alguém in- teressado em nadar. Por fim, o envolvimento passional com o objeto pode assumir uma forma adaptativa e outra desa- daptativa.
As características supracitadas compõem o Modelo Dualista da Paixão (MDP), em que o construto é formado por duas dimensões:
(1) paixão harmoniosa (PH); e
(2) paixão obsessiva (PO).
Tais dimensões geram, cada uma a sua maneira, forte comprometimento com a tarefa, mas se diferem quanto à qualidade de como a experiência passional é internalizada na identidade do indivíduo.
Na PH, o sujeito envolve-se voluntariamente na atividade, de maneira equilibrada e flexível, permitindo que esta ocupe espaço significativo, mas não dominante em sua identidade, além de mantê-la em harmonia com outras áreas da vida.
Pessoas com paixão harmoniosa podem concentrar-se totalmente na tarefa em questão e experimentar mais resultados positivos, tanto durante o engajamento com a atividade (p. ex., afetos positivos) quanto depois (p. ex., sentimento de satis- fação).
Os indivíduos com PH controlam seu desejo de realizar a tarefa, uma vez que a internalizam de maneira livre e espontânea a sua identidade.
Adicionalmente, quando impedidas de envolver-se na atividade apaixonada, as pessoas com esse tipo de paixão são capazes de concentrar sua energia e sua atenção em outras tarefas que precisam ser realizadas e, portanto,são pessoas que estão no controle da atividade e demonstram ser eficientes em decidir quando participar dela ou não.
Em contrapartida, a paixão obsessiva domina o sujeito, mantendo-o motivado apenas para uma atividade espe- cífica, excluindo outras tarefas e objetivos da vida.
O indivíduo envolve-se de maneira inflexível na atividade com desejo incontrolável de realizar a tarefa que considera importante.
O sujeito não consegue deixar de fazer ou pensar sobre a atividade apaixonada, pois esta o domina e ameaça seu autocontrole, uma vez que é internalizada por pressões pessoais ou sociais.
Como consequência, pode experimentar conflitos com outras áreas de vida, já que não consegue deixar de engajar-se ou abandonar o objeto de sua paixão enquanto realiza outras tarefas.
Embora essa persistência em realizar a atividade possa continuamente apresentar resultados benéficos, como alto desempenho, também pode gerar conflitos com outros objetivos, uma vez que frustrações e pensamentos ruminativos podem acompanhar o sujeito quando este não estiver envolvido na atividade apaixonada.
Considerando o contexto esportivo, poucos trabalhos empíricos investigaram a relação da paixão com a prática de exercícios físicos.
Contudo, o MDP (modelo dualista da paixão) tem recebido destaque, uma vez que esse fenômeno possibilita a compreensão da maneira como as pessoas se relacionam com a atividade física e das consequências adaptativas (p. ex., bem-estar subjetivo, desem- penho, motivação) e mal adaptativas (p. ex., burnout, vício em exercício físico, agressão) inerentes à realização dessas atividades.
Além disso, um dos estudos brasileiros verificou que tanto a paixão obsessiva quanto a harmoniosa estavam positivamente relacionadas à quantidade de horas semanais que atletas brasileiros dedicavam à atividade física.
De fato, estudos demonstram que ambos os tipos de paixão podem motivar indivíduos em seus exercícios, entretanto, a paixão obsessiva pode levar a resultados com efeitos negativos, diferentemente da paixão harmoniosa.
Estudiosos verificaram que, por mais que os individuos experimentassem sentimentos negativos, continuavam realizando suas atividades com o intuito de alcançar um objetivo em meio a condições desfavoráveis, concluindo que estar apaixonado obsessivamente parecia associar-se a uma maneira rígida de persistir na tarefa.
Esse envolvimento rígido levavam atletas a desvalorizar instruções médicas após a lesão e, mesmo feridos, continuavam praticando atividade.
Tal padrão desadaptativo de comportamento não foi observado em atletas apaixonados harmoniosamente.
Os pesquisadores sugeriram que a PO possibilita um envolvimento rígido com a atividade, mesmo quando as condições apresentam perigos.
Outras pesquisas complementam esses achados ao demonstrar que pessoas com paixão obsessiva se envolvem em atividades com apenas um objetivo final em mente, negligenciando outras áreas de vida, ao passo que pessoas com paixão harmoniosa buscam mais de um objetivo ao mesmo tempo.
Em contrapartida, foi identificado que jovens com PH se envolvem na prática esportiva com atenção plena e demonstram maiores indices de experiências positivas, como engajamento e motivação pela atividade, do que aqueles com PO.
Os apaixonados obsessivamente, por mais que tenham chances de obter sucesso, podem fazê-lo à custa de experiências negativas, como diminuição da felicidade e ansiedade.
Pesquisas também indicam que, comumente, a PH é característica de atletas que praticam esportes coletivos, e a PO, de praticantes de modalidades individuais.
Adicionalmente, pessoas apaixonadas obsessivamente pela atividade fisica tendem a apresentar maiores níveis de vicio no exercício, principalmente em esportes individuais, do que aquelas com paixão harmoniosa.
Aspectos como a sociabilidade e a cooperação podem impulsionar a PH, ao passo que a pressão e o controle individual em realizar determinado exercício sozinho podem influenciar a PO.
A paixão harmoniosa foi relacionada, ainda, a menor índice de gordura corporal, maior volume de VO₂ max (volume máximo de oxigênio, que corresponde à capacidade do corpo para transportá-lo e metabolizá-lo) e maior número de flexões.
Dadas as descobertas sobre o MDP (modelo dualista da paixão), é possível compreender que indivíduos apaixonados de maneira harmoniosa ou obsessiva são capazes de apresentar níveis de desempenho semelhantes na atividade.
No entanto, sujeitos que investem tempo e energia de maneira obsessiva podem definir objetivos que atrapalhem sua performance, em vez de auxiliá-los, diferentemente do que experimentam as pessoas com paixão harmoniosa.
Esses achados ainda corroboram a moldura teórica, em que a PH pode estabelecer uma relação de harmonia com várias atividades, ao mesmo tempo e em diferentes áreas, além de proporcionar a vivência de resultados adaptativos, como emoções positivas, satisfação e mindfulness.
Referências
(Hardgrove, 2019).
(Vallerand et al., 2003, Vallerand, 2015).
(Frijda, Mesquita, Sonnemans, & Goozen, 1991).
(Vallerand et al., 2003; Vallerand, 2015; Vallerand, Houl- fort, & Bourdeau, 2019).
(Vallerand et al. 2019).
(Vallerand, 2015; Vallerand & Houl- fort, 2019).
(Parastatidou, Doganis, Theo- dorakis, & Vlachopoulos, 2012).
(Vallerand, 2015; Vallerand & Houlfort, 2019).
(Bureau, Blom, Bolin, & Nagelkirk, 2019; Kovacsik, Soos, De La Vega, Ruíz-Barquin, & Szabo, 2020).
(Curran, Hill, Appleton, Vallerand, & Standage, 2015; Donahue, Rip, & Vallerand, 2009; Parastatidou et al., 2014; Schellenberg et al., 2014; Vallerand et al., 2006, 2008).
(Peixoto, Nakano et al. 2019).
(Phi lippe, Vallerand, Houlfort, Lavigne, & Donahue, 2010; Val- lerand et al., 2008).
(Carbonneau, Vallerand, Fernet, & Guay, 2008; Marsh et al., 2013). Vallerand et al. (2003).
(Rip, Fortin, & Vallerand, 2006).
(Vallerand et al. 2003).
(Bélanger, Schumpe e Nisa (2019).
(Chichekian e Vallerand; 2018).
(De La Vega, Parastatidou, Ruíz-Barquín, & Szabo, 2016, Kovacsik et al., 2020, Schipfer & Stoll, 2015; Vallerand et al., 2003).
(Kovacsik et al. ;2020)
(Bureau et al., 2019).
(Bureau et al. 2019).
(Vallerand et al. ;2003).
(Amemiya & Sakairi, 2018; St-Louis, Verner-Fi- lion, J, Bergeron, & Vallerand, 2016).
Livro:
Métodos de Avaliação em Psicologia do Esporte. Evandro Morais Peixoto, Tânia de Cássia Nakano, Organizadores. 1. ed. São Paulo: Vetor Editora, 2022.
Comments